Desde a promulgação da Lei nº 13.463/2017, surgiram diversos questionamentos a respeito do cancelamento de precatórios e RPVs (requisições de pequeno valor), principalmente acerca da sua constitucionalidade. A lei vai de encontro com a Constituição Federal que, em seu artigo 100, não prevê em nenhuma hipótese o cancelamento de precatórios ou RPVs após sua expedição.
O artigo 2° da referida lei regulamenta que precatórios ou RPVs depositados em conta judicial, e que não forem levantados pelos credores em até dois anos, serão extintos e retornarão aos cofres públicos da União, medida essa que pode ser considerada como um confisco.
Ocorre que nem sempre os créditos deixam de ser levantados simplesmente por inércia da parte credora, e sim por morosidade em autorização judicial. Em outros casos o titular não consegue acessar o valor por interferência direta na tramitação dos processos. Tais situações não alteram o prazo para devolução dos valores ao Banco Central, uma vez que as instituições financeiras podem transferir os valores de ofício para a conta da União sem prévia autorização judicial. Os bancos fazem a verificação mensal e, ao ser constatado o decurso do prazo de dois anos (art. 2°), são liberados a devolver o valor.
Todavia, o legislador regulamentou que mesmo após o cancelamento poderá ser requisitado novo precatório ou RPV. A nova expedição mantém o mesmo número de ordem cronológica e, consequentemente, a mesma posição na fila no aguardo do pagamento do crédito. Esta condição está descrita no artigo 3º da lei:
Art. 3º Cancelado o precatório ou a RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor.
Parágrafo único. O novo precatório ou a nova RPV conservará a ordem cronológica do requisitório anterior e a remuneração correspondente a todo o período.
Pelo fato de não terem sido levantados os valores, surgiu um novo dilema sobre ser ou não imprescritível o direito de requerer nova expedição de precatórios ou RPV’s após o cancelamento. A Lei nº 13.463/2017 é omissa nesse sentido e, deste modo, deixa em aberto diversos questionamentos a respeito do assunto.
Em razão dos diversos recursos sobre o tema, a 2ª Turma de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade de votos, que o direito de requerer a expedição de novo precatório ou RPV é passível de prescrição.
Para os ministros Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques, ambos relatores dos recursos REsp 1.859.389 e REsp 1.859.409, tal entendimento teve como base a teoria da actio nata. A data do cancelamento e devolução dos depósitos ficou definida como o marco inicial para contagem do prazo prescricional, conforme discorreu o ministro Mauro Campbell:
“A pretensão nos autos, ao contrário do que constatado na origem, é prescritível. No momento em que ocorre a violação de um direito, considera-se nascida a ação para postulá-lo judicialmente e, consequentemente, aplicando-se a teoria da actio nata, tem início a fluência do prazo prescricional”.
Em contrapartida, no julgamento dos recursos 1.856.498 e 1.874.973, a 1ª Turma de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o credor não perde o direito de requisitar novamente seu precatório ou RPV. Para os ministros Regina Helena Costa e Sergio Kukina, compreendeu-se que o cancelamento introduzido pela lei foi criado apenas para possibilitar que a União pudesse usufruir deste dinheiro enquanto o credor não fosse receber, daí o retorno dos valores aos cofres públicos.
“A teoria da actio nata no caso me parece inaplicável. Para que possamos falar em aplicação, é preciso pressupor uma violação de direito. Qual violação aconteceu? Não consigo observar nenhuma. O que aconteceu foi a inércia do credor de pedir o levantamento. Violação houve quando a União foi condenada. E aí transitou em julgado e formou-se o título executivo”, disse a ministra Regina.
Embora nos julgamentos da 2ª Turma tenha sido reconhecida a prescrição, não foram determinadas a reformulação das decisões proferidas pelo Juízo a quo. A razão é de que, não obstante ter sido reconhecida a prescrição, restou entendido que a data de início da contagem a se incidir a prescrição começa a contar à partir da devolução do depósito e cancelamento do precatório/RPV. Nos recursos julgados, o prazo estipulado de 5 anos para constatar a prescrição não é ultrapassado.
Certamente o tema ainda terá novos desdobramentos e o STJ será provocado a uniformizar sua posição. Os julgamentos podem ser conferidos na íntegra nos recursos citados ao longo do texto. Para mais informações, acesse nossas redes sociais: LinkedIn, Instagram e Facebook.