Por Micheli Gaspari, advogada
Sancionada em julho, a nova lei do superendividamento, Lei nº 14.181/2021, altera o Código de Defesa do Consumidor, com o objetivo de regulamentar a concessão de crédito e proteger os consumidores mais vulneráveis.
O foco central desta lei é a prevenção ao superendividamento, e o tratamento especial àquele que está superendividado, na qualidade de consumidor. Os dispositivos buscam evitar a insolvência das pessoas e de suas famílias que estão em dificuldades de efetuar o pagamento das dívidas contraídas, seja com a contratação de empréstimos, financiamentos, crediários, dívidas de cartão de crédito inadimplidos, entre outros.
É fato que, com a crise deflagrada pela pandemia, muitos trabalhadores perderam o emprego e tiveram suas finanças comprometidas, de modo que não conseguem honrar como antes com o pagamento das dívidas que possuem. Logo, é fundamental que consigam negociar as dívidas e adequá-las à nova realidade, sem comprometer sua subsistência e de seus familiares.
Tentando resolver este problema, a lei do superendividamento traz a possibilidade do devedor reunir todos os seus credores para elaboração de um cronograma de pagamento das dívidas. Essa organização será realizada com a intermediação do Poder Judiciário ou dos órgãos públicos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Então, o devedor apresentará suas possibilidades de pagamento para continuar honrando as dívidas, garantindo para si um mínimo existencial. Contudo, a colaboração dos credores é de fundamental importância, pois também precisarão fazer concessões para que o plano de pagamento seja viável para o devedor.
Seguem as principais mudanças trazidas pela nova lei do superendividamento, bem como o que o devedor poderá fazer para ter a aplicação concreta da mesma:
- O credor fica proibido de realizar nova cobrança ou débito em conta de qualquer quantia que for contestada pelo consumidor em compras realizadas com cartão de crédito enquanto não for solucionada a controvérsia no Judiciário, ou até mesmo fora dele, desde que o consumidor tenha notificado a administradora do cartão com antecedência mínima de 10 dias antes do vencimento da fatura;
- É possível renegociar todas as dívidas em um único processo, isto é, o consumidor poderá apresentar o seu plano de pagamento com prazo máximo de 5 anos para quitação das dívidas;
- O consumidor tem direito aos gastos mínimos existenciais (direito ao mínimo existencial), de modo que o pagamento da dívida não pode comprometer toda a sua renda. Esse dispositivo está amparado pela inclusão do artigo 54-A, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe: “A impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”.
- Caso não haja acordo entre credor e devedor, a pedido deste o juiz iniciará processo de revisão dos contratos e repactuação das dívidas, fornecendo um plano judicial compulsório de pagamento;
- Em âmbito do Procon, o consumidor terá acesso a uma fase de conciliação da sua dívida com o credor – para tanto, deve acessar os órgãos de Proteção ao Consumidor;
- Ficam proibidas as ofertas enganosas de créditos ao consumidor, por exemplo, com expressões do tipo: “sem juros”, “taxa zero”, “sem acréscimo” ou outras frases semelhantes;
- As instituições financeiras não podem assediar ou pressionar o consumidor a contratar empréstimos (inclusive por telefone), principalmente quando se tratar de pessoa idosa, não alfabetizada, doente, em estado de vulnerabilidade agravada ou ainda se a contratação envolver prêmio;
- As instituições financeiras não podem ocultar ou dificultar a compreensão acerca dos riscos da contratação de crédito ou venda a prazo;
- As instituições financeiras não podem conceder empréstimos sem avaliar, previamente, a situação financeira do consumidor;
- Os bancos também são obrigados a atuarem de forma clara, informando o custo efetivo total do crédito com as aplicações de juros, correções monetárias, taxas, etc.
Com o tratamento que a nova lei do superendividamento dispõe, espera-se que haja uma desaceleração de novos superendividados e, por consequência, um maior número de adimplentes no mercado financeiro.
Por fim, merece destaque a informação de que o Poder Judiciário já vem utilizando a nova legislação para fundamentar suas decisões. A título de exemplo, recentemente o Tribunal de Justiça de Goiás utilizou-se dos dispositivos da lei de superendividamento para julgar o recurso de apelação nº 5409656.79.2019.8.09.0051, que tratava da concessão de crédito consignado, onde os desembargadores destacaram que a nova lei reforça a relevância do dever de informação da instituição financeira.
Em síntese, ao cuidar do consumidor superendividado, o objetivo da nova lei é evitar o endividamento e tratar com dignidade o devedor que está passando por dificuldades e que tenha a oportunidade de um novo recomeço.