Crédito fiduciário não é bem de capital e tão pouco se coloca a fins de recuperação

Ao julgar o recurso especial interposto por um banco, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso autorizando que fossem excluídos dos efeitos da recuperação judicial os créditos fiduciários dados em garantia de cédulas de crédito bancário. Foi também analisado que esse tipo de crédito não deve ser classificado como bem de capital, pois não há impedimento de retirada do estabelecimento da recuperanda no decorrer do período de suspensão previsto no artigo 6º, parágrafo 4º, da lei 11.101/2005.

Os ministros reformaram o acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul que sustentava o entendimento de que a ausência de registro da cessão de crédito fiduciário romperia a garantia, razão pela qual o banco não poderia obter os valores relacionados fora da recuperação judicial.

A ministra Isabel Gallotti, relatora do recurso, apontou que de acordo com o parágrafo 3º do artigo 49 da Lei de Recuperação e Falência (LRF), os contratos gravados com cessão fiduciária não se submetem à recuperação judicial, pela razão de serem bens ou valores extraconcursais, entendimento consolidado pela jurisprudência do STJ.

A relatora diz que “a ausência de registro não produz as consequências a ela atribuídas pela corte estadual, diante de que é requisito apenas para a preservação de direito de terceiros, portanto não constitui requisito para perfectibilizar a garantia”.

Direito de terceiros é garantido por registro

O parágrafo 1º do artigo 1.361 do Código Civil trata unicamente de bens infungíveis, atributo que não contempla os recebíveis e os direitos de crédito em geral. Sendo assim, no caso dos recebíveis discutidos no processo, destacou-se que tais itens são de cessão fiduciária e apresentam disciplina em lei própria.

A relatora explicou que os credores da empresa em processo de recuperação não são os terceiros a quem o registro providencia a publicidade, visto que os direitos cedidos fiduciariamente compõem os recursos do credor fiduciário, e não da recuperanda.

Segundo a magistrada, “a necessidade de registro se destina a salvaguardar eventuais direitos de terceiros, vale dizer, no caso de recebíveis, direitos que possam ser alegados pelos devedores da empresa em soerguimento, e não pelos seus credores, aos quais é indiferente o destino de bem que não integra o patrimônio sujeito à recuperação”.

Crédito fiduciário não é bem de capital
A ministra discordou do argumento da recuperanda, que alegava que pelo princípio da preservação da empresa e também pelo quanto disposto no artigo 49, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005, não seria permitida a retenção dos valores pelo banco antes do prazo legal de 180 dias (stay period), por tratar-se de bem de capital.

Condutas como execuções ajuizadas pelo devedor e possíveis retenções, assim como penhoras ou outras constrições judiciais contra o autor do pedido de recuperação, de acordo com o artigo 6º da LRF, devem ficar suspensas por 180 dias.

A relatora destacou o precedente da Terceira Turma, declarando que direitos de créditos concedidos fiduciariamente não estão amparados por tal norma, seja por não constituírem bem de capital ou por não encontrarem-se no estabelecimento empresarial sob a posse direta da empresa em recuperação e até mesma por força de sua disciplina legal específica.

Para a ministra, os bens de capital são bens corpóreos, empregados nos processos produtivos e que não se destroem com o uso, como equipamentos, veículos, planta industrial etc…, e que podem ser passíveis de entrega ao proprietário fiduciário caso seja mantido o inadimplemento da operação garantida após o stay period.

Ainda com base na jurisprudência, a magistrada observou que não cabe a retirada dos bens utilizados no processo produtivo do estabelecimento do devedor ao longo do stay period. Existindo contradição a respeito da imprescindibilidade do bem para o soerguimento da empresa, declarou que cumprirá ao juízo da recuperação judicial analisar a sua necessidade e definir pela entrega imediata ao titular da propriedade resolúvel, para a execução da garantia, ou, de maneira oposta, pela inviabilidade de sua retirada.

Isabel Gallotti ponderou: “observo, todavia, que, mesmo em se tratando de bem de capital, se o declarado intuito da recuperanda for fazer caixa, alienando imóvel cuja propriedade resolúvel é de titularidade do credor, a jurisprudência desta seção não reconhece a respectiva submissão ao juízo da recuperação, permitindo a continuidade da busca e apreensão perante o juízo da execução”.