Por Luiza Brandão Matias
Falta de produto em estoque não é argumento para a empresa deixar de cumprir com a entrega da mercadoria. Em decisão recente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça fixou esse entendimento acerca da temática consumerista, mais especificamente sobre a não entrega de produtos anunciados em razão da falta de estoque. Para o STJ, se a empresa utilizar-se dessa justificativa para o descumprimento do envio da mercadoria, o consumidor só não poderá exigir a entrega do produto anunciado caso ele tenha deixado de ser fabricado e não exista mais no mercado.
O entendimento anterior era de que o consumidor não poderia optar pelo cumprimento forçado da obrigação. No caso da falta do produto, deveria escolher entre aceitar um outro equivalente ou rescindir o contrato com restituição da quantia paga, segundo as hipóteses previstas no artigo 35, incisos II e III do Código de Defesa do Consumidor.
A decisão trouxe um novo parecer norteado no princípio da vinculação do fornecedor à oferta, que prevê a obrigatoriedade do cumprimento da oferta por parte do fornecedor. Ou seja, a partir do momento em que a mensagem publicitária ou a informação acerca de determinado produto ou serviço é transmitida aos consumidores, o fornecedor fica à ela vinculada.
Na avaliação de Luiza Brandão Matias, advogada da área cível do escritório, “a decisão foi acertada e merece grande atenção, tendo em vista a crescente demanda de compras pelo meio online possibilitarem o fornecedor de veicular um determinado produto e omitir as informações essenciais sobre ele, como a sua disponibilidade, preços e formas de pagamento”.
De acordo com a advogada, “tais exemplos caracterizam por si só publicidade enganosa por omissão a qual viola diversos princípios previstos na legislação, entre eles o da boa-fé e o da transparência das relações comerciais, configurando ainda nítida negligência quanto às cautelas que são esperadas de quem promove um anúncio publicitário. Nesse sentido é cabível o reconhecimento de sua responsabilidade, visto que a publicidade ser capaz de levar o consumidor a erro já é suficiente para configurar a publicidade ilícita”.
Todas as características e informações essenciais a respeito do produto devem ser apresentadas pelo fornecedor. A falta de dados e a divulgação dos produtos e serviços feitos de forma imprecisa e genérica podem configurar publicidade enganosa por omissão, conforme previsão do artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, a qual penaliza o fornecedor, obrigando-o ao cumprimento conforme as hipóteses previstas no artigo 35 da mesma lei.
O entendimento ainda contemplou os casos em que o fornecedor não entrega o produto, mas ainda tem como fazê-lo, mesmo que seja adquiri-lo de outras empresas. Com isso, fica mantida ao consumidor a possibilidade de exigir o cumprimento forçado da obrigação, conforme previsão do artigo 35, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso que reformou o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, explicou que, conforme previsto pelo artigo 30 do CDC, a informação contida na própria oferta é essencial à manifestação de vontade do consumidor e configura proposta, integrando, por isso, o contrato posteriormente celebrado com o fornecedor. Além disso, a relatora apontou que, em caso de descumprimento no fornecimento, o consumidor pode escolher de forma livre qualquer uma das opções do dispositivo legal.
A relatora ponderou sobre a única hipótese que autoriza a exclusão da opção pelo cumprimento forçado da obrigação, que seria a da inexistência do produto de mesma marca e mesmo modelo no mercado, caso a mercadoria não fosse mais fabricada. Segundo Nancy, fora a situação citada, “não há razão para se eliminar a opção pelo cumprimento forçado da obrigação” quando o fornecedor dispõe de meios para entregar o produto anunciado, mesmo que precise obtê-lo com outros revendedores.
Como o processo não indicou que a falta do produto no estoque do fornecedor fosse impossível de ser contornada, a Terceira Turma reformou o acórdão do TJ-RS e determinou o retorno dos autos ao primeiro grau, para que a ação prossiga nos termos do artigo 35, inciso I, do CDC.